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segunda-feira, 1 de maio de 2017

MACEIÓ > Riacho Salgadinho: Cágados sobrevivem no meio da poluição


Em meio aos sofás velhos, geladeiras, carcaças de televisão e esgoto que são jogados no Riacho Salgadinho, se escondem segredos que nenhum maceioense poderia imaginar. No trecho entre o Viaduto Ib Gatto Falcão até próximo de onde o riacho deságua no mar, no bairro do Poço, existe vida. Um grupo de cágados tem sobrevivido imerso a poluição há vários meses. Eles surgem como uma esperança para aquele local esquecido por tantos anos pelo poder público. Uma esperança para, quem sabe, uma despoluição.
Os quelônios têm vivido próximo às margens do Riacho Salgadinho e quase sempre aparecem em bandos, como qualquer animal silvestre solto em seu habitat. Como é peculiar à espécie, eles passam algum tempo debaixo da água e de repente aparecem entre os concretos que estão no entorno do Riacho. Quando não tem nenhum curioso por perto, os cágados surgem de forma surpreendente e vêm à superfície com toda sua delicadeza, com o intuito de respirar. Por não serem animais totalmente aquáticos, se apóiam em pedaços de madeiras, lonas jogadas no riacho, sofás e plantas que crescem no local. O que mais chama a atenção é que eles têm conseguido se manter vivos mesmo diante da grande quantidade de dejeto que é diariamente despejado pelos esgotos da capital de Alagoas.

Poucos foram os que os viram desfilando pelas águas fétidas e escuras do Riacho. Quem já se deparou com eles, fica impressionado com a capacidade que esses animais têm de superar a degradação do meio ambiente e de transformarem sua presença numa luta pela vida. Como esses cágados foram parar no Salgadinho ainda é uma incógnita, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) pretende desvendar.
Integridade dos animais preocupa moradores da região
A presença dos cágados naquele local gera espanto. Para quem mora ou trabalha no bairro eles são verdadeiros moradores ilustres. Apesar de adorados, todos têm grande preocupação com a saúde e integridade desses animais silvestres. Como circulam livres e são vulneráveis, podem ser presas fáceis para oportunistas.

Segundo o operador de áudio de uma gráfica que fica em frente ao Salgadinho, Charles David, de 35 anos, é uma grande surpresa esses animais conseguirem se manter vivos dentro do Riacho. Ele relata que já flagrou dezenas de cágados concentrados no mesmo local. “Me disseram uma vez que tinham vários deles dentro do Riacho, mas eu não acreditei. Fui observando e constatei que há realmente vários, porém não acredito que o Salgadinho possa ser despoluído e me preocupo com a presença deles, se estão doentes ou correm risco”, disse.
Próximo da gráfica, o vigilante Leônio da Silva, 32, também gosta de observar o Salgadinho. Ele trabalha há três anos bem perto de onde os cágados costumam emergir e já viu os animais em diversas situações. “Uma vez vi uns dez amontoados, tentando subir a parede de concreto, e fiquei impressionado com a presença deles nessa água tão poluída e fedida. Outro dia a maré subiu muito e o Riacho transbordou, daí alguns atravessaram a rua e subiram a calçada, outros foram atropelados por veículos que passavam na avenida. Acho que eles correm risco”, relatou.
A presença dos animais ainda é desconhecida por muita gente. Alguns, quando são contados que eles existem no Salgadinho, custam a acreditar na novidade. Uma delas é a moradora do bairro Maria Luiza, de 57 anos. “Nunca tinha visto animal nesse riacho. Foi uma grande surpresa. Acredito que com essa descoberta as pessoas se eduquem. Um dia ele foi limpo e mostra que tem chances de conseguir viver novamente”, falou.

Cágados podem representar risco para a saúde do homem 

Quem olha os animais tranquilos tomando sol ou respirando dentro do Salgadinho não imagina o risco que representam para a saúde do homem. A presença deles é realmente algo novo e que vai precisar ser estudado. Entre as dúvidas, está o tipo exato de espécie que eles são. Para tentar desvendar uma dessas incógnitas, a equipe de O Dia Mais entrou em contato e foi até o local com especialista em animais silvestres, o médico veterinário Isaac Albuquerque, que fez uma rápida avaliação dos bichos.
De acordo com o especialista, existem fortes características de que se trata de cágado-cabeçudo (Bufocephala vanderhaegei) ou de barbicha (Phrynops geoffroanus). “Esses répteis sobrevivem tranquilamente durante 40, 50 anos no Riacho Salgadinho por conta do grande número de material orgânico que serve de alimentação de pequenos invertebrados, os quais são consumidos pelos cágados. Geralmente vivem em bando”, explicou. “O processo de reprodução é lento, pois os cágados necessitam de locais secos para a postura dos ovos, que ocorre no período entre novembro e fevereiro. Diante de toda situação, muito provavelmente apenas metade dos cágados filhotes irão sobreviver devido à poluição, por serem mais frágeis e terem pouca imunidade”.
Uma das grandes preocupações do veterinário em relação à presença dos quelônios é o risco que eles representam para a saúde do homem. Os cágados podem ser vetores de patologias e parasitas. Além disso, por consumirem muitos metais pesados como o chumbo e o selênio provenientes do lixo jogado no Riacho Salgadinho, não devem ser consumidos pelas pessoas. “É bem provável que estes animais possuam um alto índice de metais pesados em suas vísceras e musculatura e contaminarão as pessoas que venham a se alimentar deles”, destacou o veterinário.
Albuquerque sugere que estes animais sejam resgatados e encaminhados a um local adequado após período de quarentena. Para isso, se faz necessário uma licença frente ao Sistema SISBio, no site do Ibama, que deve ser protocolada junto com um projeto no órgão ambiental estadual, o Instituto do Meio Ambiente (IMA). Após execução do projeto, dentro dos trâmites legais, o órgão ambiental destina os animais a um local para sua reintrodução.

 Crime ambiental

O especialista ressalta, ainda, que os cágados não podem ser capturados, nem retirados do local por pessoas que estejam com pena da presença deles nas águas sujas. Esse ato é crime previsto na Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que trata de Crimes Ambientais e determina sanções penais e administrativas decorrentes de condutas que prejudiquem o meio ambiente.
“É proibida a captura, guarda, abate e o transporte destes animais. Para retirá-los do local, é preciso ter uma licença. Instituições que queiram estudá-los devem conseguir a licença, se cadastrar no SISBio dentro do site do IBAMA, inscrever o projeto e protocolar o documento em um órgão estadual para arcar com as despesas desse projeto. Na execução, dentro dos trâmites legais, o órgão ambiental destina uma área para a reintrodução desses animais após a quarentena”, completa Isaac Albuquerque.

Presença de cágados gera surpresa em órgão ambiental

O espanto em torno da aparição de vida nas águas fétidas e sujas do Riacho Salgadinho também atinge os órgãos ambientais de Alagoas. Para o superintendente regional do Ibama, Mário Daniel, que é biólogo, essa é uma descoberta um tanto estranha, já que se trata de uma água bastante suja para abrigar qualquer tipo de animal.
“Busquei informações se alguém já tinha sido comunicado sobre o Riacho Salgadinho estar servindo de abrigo para cágados e ninguém confirmou essa informação. Acredito que nunca recebemos qualquer informação deste tipo. É uma verdadeira surpresa, que devemos analisar e estudar, para tentar entender o que aconteceu e de onde esses animais surgiram”, afirmou Mário Daniel.
Os cuidados com a fauna no Estado são feitos através de uma gestão compartilhada entre Ibama e o IMA, este último responsável por atuar de forma mais efetiva na proteção desse bem da natureza. “Vamos comunicar ao IMA, para que juntos possamos fazer esse levantamento e analisar os animais encontrados no Riacho Salgadinho. O que recomendamos hoje é que ninguém tente capturar esses quelônios, já que eles estão num ambiente altamente poluído e podem passar doenças para quem tiver contato com eles. As águas do Salgadinho são praticamente um grande esgoto, então imagina o que eles não devem carregar”, orienta.
Para analisar os animais, o Ibama pretende, junto com os técnicos do IMA, capturar alguns deles e levá-los ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) para que eles possam ser estudados. “Precisamos saber qual a espécie deles, se se trata animal exótico ou nativo, e qual o grau de poluição que os atingiu. A partir daí, iremos saber como foram parar no Salgadinho e para isso, vamos trabalhar com a teoria de alguém que jogou no Riacho para se livrar do animal e ele acabou procriando ou, se for nativo, com a possibilidade de nas últimas cheias eles terem sido arrastados da nascente”, completou Mário Daniel.
Diferente do Ibama, o Instituto Biota, que é conhecido pelo trabalho desenvolvido no resgate de animais marinhos, em especial tartarugas, já havia sido informado sobre a presença dos cágados no Salgadinho. De acordo com o diretor executivo da ONG, o biólogo Bruno Stefanis, eles já receberam várias denúncias e pedidos para retirar os animais do local, só que não é competência deles. “Nossa relação é com as tartarugas marinhas, os cuidados e os resgates. Jamais as tartarugas marinhas sobreviveriam neste Riacho devido ao alto índice de poluição. No mar já sobrevivem com certa dificuldade por conta do lixo que é jogado”, explica.

Especialista em Recursos Hídricos acredita que limpeza do Salgadinho está ligada a saneamento básico 

Contando da presença dos cágados, ninguém acredita. A reação do que foi dito sobre eles é sem dúvida de espanto e surpresa. E não foi diferente com o coordenador do mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e estudioso do Riacho Salgadinho, Marllus Neves. “É incrível que tenham animais sobrevivendo no Riacho. Hoje, ele é composto em sua maior parte por esgoto. Tudo que escorre da parte alta da cidade, da região do Canãa, Ouro Preto, Feitosa, Pitanguinha, vai parar no Riacho e imagine que nessas regiões não tem saneamento. O que sobra para as águas do Salgadinho é poluição”, disse.
Segundo Marllus Neves, a presença dos animais gera uma esperança para o futuro do Riacho. “Existem muitos modelos em outros países e até mesmo aqui no Brasil, que rios tão poluídos quanto o Salgadinho são recuperados. Para mim, é preciso que seja feito um grande trabalho de saneamento, recuperação das nascentes para ele ressurgir. Ter vida nele mostra esperança”.
A presença dos animais relembra um período antigo, do início do século XX, que hoje são apenas lembrados em imagens antigas e nos relatos de pesquisadores, como o ambientalista Octávio Brandão, que tanto relatou os tempos áureos de um dos principais rios que cortavam a capital. No passado, ele foi conhecido com rio da integração de Maceió, tinha vasta vida marinha e água límpida. Sua história está totalmente ligada ao início da capital, inclusive ao seu nome, já que ele era conhecido como Maçayó.
“Por muitos anos, a bacia hidrográfica do Reginaldo sofreu com a degradação do homem. Houve o crescimento populacional nas áreas que ficam próximas à nascente e tudo foi se perdendo. Teve ainda o desmatamento da vegetação nativa, a impermeabilização do solo e o uso indiscriminado das fontes de água que contribuíram para a situação atual. O Riacho sempre teve vital importância para a cidade, mas infelizmente ele deixou de ser um lugar onde as pessoas convivem e têm lazer, para ser o local onde a sujeira é despejada”, ressaltou Marllus Neves.
Qual será o futuro do Salgadinho?
No último mês de março, o assunto despoluição do Riacho Salgadinho voltou a ser tema de reuniões entre representantes da Prefeitura de Maceió e promotores do Ministério Público Estadual (MPE). Eles iniciaram uma força-tarefa que pretende recuperar o Riacho Salgadinho. Esta não é a primeira vez que gestões municipais buscam ações para minimizar os impactos da degradação no local, mas a maioria nunca saiu do papel.
Por anos, o Salgadinho foi esquecido e deixado de lado. Agora, o município pretende realizar a recuperação com a limpeza do Riacho e o Projeto Jardins Filtrantes, que visa recuperar toda a bacia hidrográfica do Vale do Reginaldo, valorizando paisagística e socialmente as margens do Salgadinho, no trecho de dois quilômetros lineares.
Segundo informações do site da Prefeitura de Maceió, o projeto deve construir um Jardim Filtrante em escala piloto para tratamento inicial de uma pequena vazão do Riacho de forma a verificar a eficiência deste tipo de tratamento para as condições específicas do local. Enquanto isso não sai do papel, a Superintendência de Limpeza Urbana de Maceió (Slum) estaria realizando a limpeza mecanizada do Riacho com uma escavadeira hidráulica, para diminuir os bancos de areia e retirar o lixo encontrado no Salgadinho.
Matéria: Deisy Nascimento e Láyra Santa Rosa
Fotos: Deisy Nascimento

Fonte: odiamais.com.br

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